sábado, abril 30, 2005

Crônica

João desceu a rua apressado, cruzou o semáforo e subiu pela praça em direção do ponto de encontro. Lá uma moça de modos estranhos e roupas negras o esperava e olhava ao largo com olhos de preocupação. Quando João chegou um breve silêncio falou pelo longo olhar de ambos no meio do calçadão molhado pela chuva recente. Abraçaram-se. Algumas gotas ainda caíam do céu. "Você me ama?". "Ora você ainda duvida?!". "Então vamos". Cruzaram a rua por onde João havia chegado e tomaram o caminho contrário ao pôr-do-sol que obrigava a moça a fechar os olhos sob os oculinhos redondos. Chegaram a uma rua deserta de carros e passantes curiosos subiram as escadas de um edifício, trêmulos, mas decididos, jovens e confiantes. No terraço podia ser visto o sol com listras vermelhas refletidas nas nuvens por causa do crepúsculo. Um senhor de feições respeitáveis os esperava no décimo andar já com a roupa apropriada ao ritual. Apenas um olhar entre o casal e o senhor de feições respeitáveis e todos já sabiam que era o momento, deveriam começar já. Neste instante um outro senhor, de feições pouco amigáveis, entrou pela porta. " Não faça isso minha filha!", gritou desesperado o senhor de feições pouco amigáveis. "Tens toda tua vida por acontecer, não faça isso com teu pobre pai!". "O Senhor não aceitou que nos uníssemos, pois bem, restou-nos esta alternativa radical". O senhor de feições respeitáveis, já preocupado com a situação, pôs um termo ao furdunço com uma ordem específica e sem rodeios. Puxou a moça pelo braço com gestos rudes e pouca respeitabilidade e a pôs frente ao altar de sacrifícios. João, ao seu lado, tinha um olho no senhor de feições respeitáveis e outro no senhor de feições pouco amigáveis que ajoelhado, implorava a Deus, pela filha. Rogava, rezava, pedia e implorava, tudo ao mesmo tempo. A moça de roupas negras fitou João nos olhos e ainda mais trêmula disse: "Sim!". João igualmente, repetiu o ritual. "Então vos declaro Marido e Mulher. Pode... ops! Também não precisa ser de língua!" O senhor de feições pouco amigáveis desatou em choro, o senhor de feições respeitáveis desparamentou-se, felicitou os recém-sacrificados e voltou a sua casa numa sacristia próxima dali, aonde o esperava uma jovem religiosa de braços abertos e lenço branco na cabeça, sobre uma cama comprada com o dinheiro do dízimo.