sexta-feira, junho 17, 2005

O mito da angústia, unheimlichkeit!

O homem solto na terra teve de sentir dor e frio, mormaço e solidão, fome e angústia. Povoou as planícies, todas as beiras de lago e rios tormentosos ou calmos; depois das planícies as altitudes, fez casas em penhascos e cavernas e conheceu o fogo e o alimento em excesso. Construiu cidades para se proteger e para conviver, fez miséria e plutocracia, ditaduras e anarquismos, capital e bem comum. O homem criou a arte, da arte criou outros mundos muito melhores onde a chuva não resfria nem alaga e o sol não é áspero na pele, fez dos sofrimentos beleza, da beleza sofrimento, comprou a terra, viajou até a lua, mandou notícia até marte, mediu os furacões, catalogou as estrelas e previu a vontade das nuvens e do vento. Tomou para si o conhecimento e dele fez transístores e chips, BMW's e fuscas, projéteis e escudos, castelos e casebres, cálculos quânticos e réquiems e sonatas e sinfonias e axé. Teve frio e agasalhou-se, teve dor e anestesiou-se, teve calor e refrescou-se, teve solidão e apaixonou-se, teve fome e alimentou-se, teve angústia e nada pôde fazer. O homem viu Deus, superior e intagível pela dor e pela confusão, e quis igualar-se a ele. Fez de sua razão fonte inesgotável de idéias, e das idéias jorro inifinito de técnicas e inventos, então o homem viu-se ainda humano e fraco, perdido e sem lar, como se sua pátria e sua cidade em vez de aconchego e segurança lhe dissesse o quanto batalhava consigo mesmo para superar-se a si e sua condição desesperante de quem não controla o próprio destino. Fez a filosofia para entender o mundo, mas o mundo não pôde ser entendido por sua mente descontrolada e imaginativa, inclinada aos sentimentos e sensações, às emoções diurnas mais razas. Tentou o misticismo, a magia, a advinhação, o messianismo; escreveu compêndios sobre o nada, adorou falsos deuses, refugiou-se em dogmas, teve fé, teve razão, não teve mais nada, optou por movimentos hippies e punks, pelas overdoses, pelo suicídio e pela loucura, porém ainda havia a angústia de criatura menor ante o criador. Buscou a onisciência, acreditou encontrá-la, mas caiu nas celas frias de um corpo fraco. Então sentou-se em uma poltrona ou uma cadeira qualquer, esqueceu toda a odisséia que travara até ali, fechou os olhos e deixou-se dormir e descansar o corpo exausto até o dia seguinte recomeçar e cair na bulha intensa de mais um dia sobre a terra.