terça-feira, maio 31, 2005

A Sociedade, como tudo começou.

I
Naquela manhã o sol teimava em ser estupidamente claro e Jonathanus Zancanarius fechava seus olhos sob os óculos de armação escura. A noitada no bordel havia sido homérica e agora o sol queimava suas retinas fatigadas da nudez feminina noturna. Eduardo Dostoievski Naka fora quem havia pago tudo: mulheres, drogas, bebidas. Era a comemoração pela entrada no Brasil de uma ramificação da máfia nórdico-japonesa. Em terras curitibanas fora batizada como "A Sociedade", organização criminosa destinada a estorquir, contrabandiar, saquear, invadir, roubar, usurpar se utilizando de todas os meios como a mão-leve, a violência gratuita, a tortura, o suborno e a corrupção em geral para captar mais e mais poder e dinheiro aos bolsos de E. Dostoievski Naka e J. Zancanarius, seres humanos denigridores da raça humana.

II
Leonard, era conhecido desde a infância pela morbidez de suas ações sempre pautadas pelo sofrimento alheio. Na terceira série citava parágrafos inteiros da Crítica da Razão Pura à professora quando esta perguntava se havia entendido a lição. Criado entre os livros, tinha especial admiração por Nietszche e quando assassinou seu gatinho de estimação na churrasqueira recitou três aforismas nietszcheanos ao sepultar as cinzas do pobre animal sobre uma roseira murcha. Esta tornara-se sua marca. Cada uma de suas vítimas era obrigada a ouvi-lo recitar trechos de Ecce Homo, ...Zaratustra e outras obras de Nietszche enquanto este colocava agulhas sob suas unhas. Por essa crueldade sem tamanho, esse senso de maldade tão bem arquitetado é que fora convidado a participar da Sociedade. Convite aceito, agora Leonard, tornara-se Leonard, o Macabro.

III

Stiepánovitch fugiu de casa aos onze anos de idade para morar com uma moça de vinte e cinco anos. Conhecido por sua lábia incomensurável aos dezessete anos entrou na faculdade de direito. Ser humano nada ortodoxo era fã de Guns'n'roses e vestia-se como grunge. Odiado por todos os que já haviam convivido com ele, tornou-se o advogado mais requisitado de Curitiba e Região metropolitana. Todos sabiam que corrompia juízes e jurados como uma naturalidade assustadora. No caso Estado x Darth Vader conseguiu que absolvessem o criminoso unanimamente e ainda pagassem uma quantia incrível em euros como forma ressarciemento por danos morais. E por essa facilidade de corromper até madre carmelita e pelos seus bons relacionamentos com as todas as esferas da Justiça e da injustiça é que fora convidado a tomar participação nas ações vis da Sociedade. E agora Stiepánovitch Lemonovski Cruz é somente " O Advogado".

sábado, maio 28, 2005

METAPOESIA

Mas por quê terminar a poesia,
se há que rimar com fantasia
novas rimas de botequim?
São fáceis, eu diria.
Mas não há filosofia
que insista em um verso ruim.
E não há jeito este poema está findo.
Pra aprender a rimar direito
só outros poemas construindo.

quarta-feira, maio 25, 2005

Melquíades

"Conforme ele mesmo contou a José Arcadio Buendía, enquanto o ajudava a montar o laboratório, a morte o seguia por todas as partes, farejando-lhe as calças, mas sem se decidir a dar o bote final. Era um fugitivo de quantas pragas e catástrofes já haviam flagelado o gênero humano. Sobreviveu ao escorbuto na Malásia, à lepra em Alexandria, ao beribéri no Japão, à peste bubônica em Madagáscar, ao terremoto na Sicília e a um naufrágio multitudinário no Estreito de Magalhães. Aquele ser prodigioso dizia possuir as chaves de Nostradamus era um homem lúgubre, envolto numa aura triste, com olhar asiático que parecia conhecer o outro lado das coisas. Usava um chapéu grande e negro, como as asas estendidas de um corvo, e um casaco de veludo patinado pelo limo dos séculos. Mas, apesar da sua imensa sabedoria e de sua aura misteriosa, tinha um peso humano, uma condição terrestre que o mantinha atrapalhado com os minúsculos problemas da vida cotidiana. Queixava-se de achaques de velho, sofria pelos mais insignificantes prejuízos econômicos e tinha deixado de rir a muito tempo, porque o escorbuto lhe arrancara os dentes."

Marques, Gabriel García; in: Cem Anos de Solidão

__Trecho em que é descrito o fantástico Melquíades, cigano que levou ao conhecimento dos habitantes improváveis de Macondo a bússola, a lente de aumento, o ímã e o gelo entre outros inventos inimagináveis.

terça-feira, maio 24, 2005

O cosmos dissolvido

(Plágio do Drummond)

Como andava na poeira de uma estrada
dos campos de berço e juventude
e as pedras da estrada não dificultassem meu caminho
e ainda indicavam sua seqüência,
e pinheiros e eucaliptos frondassem à beira delas,
desiludidas de qualquer entendimento
__antes que entregues ao sono desdenhoso__
e a máquina do mundo não desse
qualquer notícia de si,
o cosmos dissolveu-se sem lamento ou murmúrio,
sem aviso de espetáculo ou gritos na planície calma,
quedando-se ignóbil ao lado do dia
e juntando ao sonho seu correspondente pesadelo
e rompendo com o sonho a sua ponte com o tangível
e dando ao sonho seu quê de absurdo
como um amanhecer à meia-noite
se estendendo sobre os seres
deste ou qualquer outro ácaro cósmico habitado
por pedras e intelectuais pensativos,
entregues à gênese ontológica das coisas
e aos ínfimos críveis objetos
ou os espectros inteligíveis do ser
corroídos e perpetrados nas mundanas fibras
da condição humana, refletidas no olhar dos mendigos silentes
na marquise de seus chapéus.
(...)
Enquanto isso as estrelas observavam cegas,
por trás do céu azul, os movimentos sem cálculo
no teatro dos homens de gravata.

domingo, maio 22, 2005

O dia de suicida de dmitri

Revejo a hora em que dmitri, meio cambaio, se refugou de si e o quinto andar se fez presente, em seu corpo cansado da vida torta. As ilusões se anuviavam a um canto da memória. O horizonte antagonizava sua percepção cega de si e o mundo era só e nada mais. Queria ser anjo de asas fluidas, era simples humano. A vida é inútil como um fóton sem uma visão para percebê-lo, torta como uma canção romântica, estranha como um sol noturno e tudo restante é forma vil.

Ninguém viu quando do quinto andar dimitri voou de si próprio e as asas se abriram no sol rumo ao asfalto negro de presença ignorada.

sábado, maio 21, 2005

Carpe diem

Série de poesias pós-adolescentes, pré-adultas, anti-despóticas, pós-punks e pós-modernas.
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Hoje o dia não vem bater à porta
Nem eu ao abrir direi: sinta-se em casa.
Ontem ele veio, cansado da batalha arfante,
Nem lembrou de sentar-se ao sofá e me disse:
__ Depressa! Depressa!
O futuro sombrio te espera,
te aguarda ali na rua.
Rápido! Rápido, fugir!
Dinheiro velho embrulhado ao bolso,
Coca Cola e cocaína*
para o sustento e os desvarios do corpo
e mulher bem bonita para o prazer noturno.
Rápido! Rápido fugir!
Atravessar a madrugada e fazer amigos e beber
o bom vinho da vida.
Rápido! Rápido correr
entre bibliotecas e fazer poesias
até que esta vida passe em cortejo musical.

*diga não às drogas e diga droga aos nãos!

terça-feira, maio 17, 2005

Eduardo, o sanguinolento (Parte II)

...Tudo planejado e arquitetado nos detalhes mais mínimos. A rua estava escura àquela hora. Nove e trinta e dois minutos da noite. Passos calmos são ouvidos no fim da rua, um a um, um pé depois o outro. A fragilidade ouvia Frank Zappa em seu cd player e batucava sobre a pistola, guardada no bolso, o ritmo do jazz. Era Leonard, O Macabro, indivíduo da pior espécie, gostava de recitar aforismas nietzscheanos antes da execução de suas vítimas. Capanga contratado para fazer o serviço sujo e comandar os assaltos da madrugada às casas dos devedores da Sociedade. Cinco passos o separam da morte agora. E agora três passos apenas. Uma rajada de metralhadora é ouvida no silêncio do subúrbio curitibano e o corpo de mais um comparsa é destroçado pelas balas. Pneus de carro cantam enquanto uma voz desafinada grita através da janela do veículo: "Getting nowhere fast!"

Enquanto o sinal não abria, Eduardo aguardava com as mãos tensas no volante. A grande hora estava por chegar, seu grande desafeto em poucos minutos sairia do motel com sua BMW e sua amante de olhos verdes. Era Martin Ilenidlavski, chefe da ramificação da máfia casaquistaniana no Brasil. Contrabandista, estelionatário, assassino, mão-leve. Roubava até doce de mão de criança somente por prazer. Diziam que matava às vezes só para ver o quanto de poeira subia do chão quando o corpo caía. Concorrente mais ferrenho às ações da Sociedade. Já eram históricas os tiroteios entre as duas gangues na Avenida Cândido de Abreu e XV de Novembro, que sempre resultavam em dezenas de mortos. Mas nos últimos meses ambos os lados concordaram em fazer as pazes ainda que em nome dos negócios. E Martin Ilenidlavski e Eduardo Naka podiam ser vistos deliberando sobre as ações de ambas as organizações no Largo da Ordem, juntamente a Johnatanus Zancanarius, o Schwarzmann, entre um gole e outro do vinho mais caro. Agora o sinal já estava por abrir. Duas esquinas à direita e a esquerda e seu carro se emparelhou ao de Ilenidlavski que já havia saído do motel depois de horas lá dentro. Os pneus dos dois carros cantaram e numa manobra arriscada Ilenidlavski saiu do campo de visão de Eduardo e iniciou os disparos. A primeira rajada atingiu os pneus traseiros do Tempra de Eduardo e o carro capotou 12 vezes. Inexplicavelmente o meliante saiu ileso. Pôs seu óculos escuros, tirou uma pistola sobressalente do casaco e disparou 12 vezes também, uma para cada capotada, sobre o carro de Ilenidlavski. Ao atingir o tanque, um dos projéteis detonou o carro pelos ares. Testemunhas dizem ter visto logo após o ocorrido, um rapaz alto forte e musculoso, vestido com uma camiseta preta com letras gragas nas costas e uma mulher de olhos verdes pegarem um táxi nas proximidades do enfrentamento. O taxista os levou ao aerorporto de onde pegaram um vôo com rumo desconhecido. Na caixa de email de Eduardo Naka, no dia seguinte, havia uma mensagem sem título onde estava escrito em russo: "Eu voltarei.

Agora, com a noite já passada e os prmeiros raios de sol, o assassino, preocupado com o futuro e com seu inimigo à solta, caminhava pela Erasto Gaertner com seus tênis negros enquanto dizia para si o quanto havia sido difícil aquela noite.

sexta-feira, maio 13, 2005

Eduardo, um assassino impiedoso (Parte I)

Enquanto a poeira se alevantava ao horizonte e avermelhava a paisagem desde o sol nascente, Eduardo Dostoievski Naka passava com seus tênis negros no asfalto da Erasto Gaertner. Aquela noite havia sido complicada, como dizia para si próprio. No entardecer do dia anterior, ao passar pela sede da "Sociedade", ramificação brasileira da máfia nórdico-japonesa, descobriu sobre sua mesa um bilhete em papel de pão, um aviso de que estava sendo traído pelos seus comparsas de organização criminosa. Resolveu eliminá-los com suas mãos rápidas, treinadas no gatilho e na palheta de uma guitarra punk, para que servissem de exemplo de sua sanguinolência e implacabilidade.

Ao bater das 7h, na esquina das Marechais, um rapaz vestido com roupas grunges e um mala preta com um insígnia da PUC, era baleado com trinta e dois tiros na nuca. Era Stiepánovitch Lemonovski Cruz, também conhecido como "O Advogado" no submundo curitibano. Libertava os membros da Sociedade das grades da Lei com um piscar de olhos e um assinar de cheques com os quais comprava juízes, delegados, carcereiros e tudo o mais que tivesse preço, e todos tinham o seu. Testemunhas dizem ter visto um Tempra prateado cantando pneus logo após o ocorrido. Meia hora depois no Largo da Ordem, em frente ao Radio Rock, no meio da turba que começava a se aglomerar um rapaz alto de roupas negras, feições fortes com uma barbicha estranha estendia-se ao chão cravejado por tiros de metralhadora. Era Jonathanus Zancanarius, também conhecido como Schwarzmann, arquiteto de toda sorte de crimes e falcatruas possíveis, chefe da ala metódica da Sociedade, mentor intelectual de quantos assaltos, assassinatos e execuções sumárias a Sociedade já tinha participado, braço direito de Eduardo Dostoievski Naka para ações relâmpago, verdadeiras blitzkriegs de precisão cirúrgica.


Agora o assassino comia lentamente uma coxinha numa lanchonete de chineses qualquer, dessas que se proliferaram pela cidade; ele maquina como será sua próxima execução enquanto toma um gole de refrigerante gelado...

domingo, maio 08, 2005

Pam adentrando ao mundo com sapatinhos azuis

Pam saiu de casa com uma fita azul no cabelo, assim como sua mãe havia lhe dito, para combinar com seus sapatinhos também azuis, de um tom levemente mais claro. Dobrou a esquina e saiu pela rua movimentada naquele dia de sol. Ao passar pela catedral resolveu entrar para ver os quadros bonitos da igreja que sua mãe gostava de mostrar, e ao entrar, uma brisa correu pelos seus cabelos presos. Não era bom ficar exposta ao vento, isso lhe resfriaria, entrou rápida com agilidade nas pernas vestidas por uma meia da cor do sol nascente amarelo claro. A menina olhava as grandes pinturas com os olhos inocentes e admirados. Os desenhos todos muito coloridos e tristes, ela não entendia por que as pessoas eram tão tristes ao entrar na igreja, talvez fosse as pinturas que as entristece. Mas Deus não poderia ser triste, Deus era alegre como senhor vendedor de pipocas que passava pela rua cantando todas tardes em frente sua casa. Mas e se Ele fosse triste à imagem e semelhança das pessoas que rezavam na igreja? Não, não poderia. Deveria ser alegre como um menino que roubava goiabas no pomar do vizinho e saía rindo correndo pelo vento e depois, à tarde, espiava as mulheres no banho e brincava com outros meninos e tomava banho de riacho nos dias de calor. Deus era a imagem e semelhança do seu irmão pequeno que sorria quando lhe davam um doce ou um brinquedo novo sorria com o sorriso mais puro e simples que há no universo. A menina pensava absorta e contemplativa, todas as bonitas figuras, as cores vivas contrastando com o sombrio ar de seriedade do olhar de Jesus enquanto pregava aos cristãos na montanha.
Foi então que um senhor de vestes brancas e sóbrias e com um leve sorriso paternal veio ter com ela: "Oh que bonito! Uma menina tão jovem e já admirando a Deus!". Ela sempre comunicativa e esperta respondeu-lhe que estava apenas vendo a beleza dos afrescos do teto e dos quadros da parede, ainda que fossem tão sombrios e tristes. "É que Jesus sofreu muito na cruz para nos salvar. Ele se sacrificou em nome dos nossos pecados...você sabia", disse o senhor de vestes brancas com um ar condescendente e superior. A menina disse-lhe que Deus não poderia ser tão triste e que os anjos não podiam ter aquela expressão séria, pois estes não podem sentir a dor ou a angústia já que sentissem seriam tão humanos quanto os humanos. Deus só seria triste se estivesse arrependido de ter feito a humanidade, mas se é Ele perfeito e supremo não poderia errar. Então contou sobre o menino que roubava goiabas no pomar e brincava alegre e que aquela é que deveria ser a imagem Dele. O senhor de vestes brancas disse ainda mais condescendente e paternal que havia muitas coisas para ela aprender, e que Deus não gostava que meninas contrariassem o que os mais velhos diziam, era uma coisa muito feia.
Pam saiu da catedral sombria, confusa, muito confusa. Por que aquele senhor achava que Deus deveria ser triste? Por que achava que Deus não podia sentir-se alegre como um menino? E por que pensando que o mundo era tão triste, ele lhe sorria com aquela expressão que só havia visto no rosto do vendedor de pipocas quando este lhe vendia guloseimas? Pam caminhou pela rua, com seus sapatinhos azuis levemente mais claros que sua fita azul no cabelo, sentido o leve calor amaciado pela brisa até entrar na pequena mercearia. Comprou os pães com as moedas que sua mãe havia lhe dado e voltou para a casa cantarolando uma música qualquer que havia aprendido recentemente.

sábado, maio 07, 2005

Pam contra a moral num dia frio.

Como todos os dias, Pam havia acordado às duas horas da tarde. Dirigiu-se ao banheiro, lenta sobre os chinelos de praia, tomou seu banho como quem se purifica, escovou os dentes e olhou-se no espelho com medo de não se reconhecer. Não havia mais dúvida, nem qualquer resquício de moral ferida, já que seus preceitos cristãos estavam, de longe, perdidos. Almoçou como se isto lhe desse forças realmente novas. Encheu um copo de água na torneira do recipiente escutando as gotas caírem no copo de vidro transparente até quase transbordar e o sorveu completamente com vagar até sentir seu corpo absorver o líquido como energia nova em potencial. Caminhou até a sala e pôs um música leve de fundo e cochilou por alguns minutos até ser acordada por um pesadelo em que era jogada de cima de um prédio muito alto. Estava suada. O telefone tocava insistente. Mas a moça num estado letárgico não atendeu, e deitou-se novamente e chorou durante longos minutos. O triiiiimm do telefone voltou mais uma vez. Ela agora não atendeu propositadamente, já estava decidida, pôs um sobretudo cinza, sobre as roupas curtas, saiu de sua casa com uma arma de um calibre qualquer escondida no bolso. Caminhou pelo frio da rua vazia, cruzou o parque, entrou no bairro de ruas sujas, abriu um portão escuro de um bordel e subiu as escadas como quem decide por conta de si o destino dos outros.

quinta-feira, maio 05, 2005

Olhos-verdes

Olhos-verdes tinha olhos verdes e unhas negras e caminhava despreocupada e confiante por uma avenida larga numa noite clara ainda que sem lua, já que os postes clareavam em torno e refletiam nos olhinhos verdes de Olhos-verdes. Algumas quadras a mais e Olhos-verdes já estava cansada nas suas pernas longas bem vestidas por uma meia-calça negra, mas a menina não desistia nem se abalava pela distância que ainda havia entre ela e a casa da Vovozinha num bairro próximo. Sua mãe preocupada e protetora pediu à menina que fosse de táxi, não a-pé, mas por último concordou que a menina fosse caminhando à casa da Vovozinha, mas que fosse pela avenida bem iluminada e nunca pegasse a rua paralela mais curta, porém escura e amedrontadora.
Olhos-verdes caminhava ainda, e já se preocupava com o cansaço nas suas pernas longas e agora cantarolava para si: "Ó que linda noite em que eu caminho sozinha, levando entorpecentes para a Vovozinha". Olhos-verdes levava uma cesta de vime branco alvo como a neve em que levava pequenas trouxinhas com os mais variados entorpecentes para a sua querida Vovó que vivia sozinha e só num bairro próximo e precisava de psicotrópicos para acalmar sua depressão em seus últimos anos de vida. Mas Olhos-verdes levando em conta o cansaço das pernas longas vestidos pela meia-calça negra dobrou uma esquina e outra e caiu na rua paralela mais curta, porém sombria. Sua sombra se confundia com as outras sombras eternas daquela rua que se moviam rastejantes entre as latas de lixo acompanhando a batida das sapatilhas da menina no asfalto negro. Olhos-verdes ingenuamente agora cantarolava:"Eu vou...eu vou...drogar a Vovó, eu vou!" Então um grande, assombroso e assustador homem mau de roupas negras e uma tatuagem de lobo no braço apareceu na frente da menina dizendo, "Eu sou o Homem-mau e quero a sua cesta de vime cheia de psicotrópicos", com uma voz cavernosa e uivante. Olhos-verdes levantou seus olhos verdes assustados e deixando a cesta no chão acertou-lhe um golpe, recém aprendido num curso de defesa pessoal israelense, entre as pernas do Homem-mau deitando-o no chão entre uivos lupinos de dor. E seguiu na direção da casa da Vovozinha colhendo as florezinhas amarelas que restavam murchas no chão e comendo um chocolate de avelã comprado numa "Bombonière 24 horas" próxima.
Ao chegar à casa da Vovó esta disse-lhe:" Ó minha netinha! Trouxe o que a Vovó havia pedido?" "Ora Vovó não vai me perguntar se vim pela avenida clara ou pela rua paralela escura? Se eu não vi o Homem-mau?" Não! não! minha netinha, vejo que está bem, então vamos às minhas encomendas", tendo dito isso a frágil Vovozinha cheirou cinco carreiras de cocaína sobre o retrato de seu esposo falecido e sentou-se na beira da cama com os olhos vermelhos e pediu a Olhos-verdes que colocasse um disco de blues na vitrola, e logo após seu pedido ser atendido ela começou a contorcer-se sobre os lençóis. Então a menina voltou-se à Vovó e perguntou ingênua: "Ó Vovozinha, porque mãos tão trêmulas?" "É pelo vício minha netinha". "E porque tanto medo nesses olhos tão fundos". Mas a Vovó já não conseguia dizer palavra alguma apenas encolhia-se a um canto da cama sentindo já os efeitos da overdose.
"E fim", exclamou o autor.

terça-feira, maio 03, 2005

Noite bêbada

Noite bêbada
Saiu pelo beco cantando árias dissonantes.
Encontrou a madrugada
Velha amiga de farras e bebedeiras.
Cantou e dançou na chuva,
Tropeçou nas cáries da rua,
Beijou a lama com amor.