quarta-feira, maio 25, 2005

Melquíades

"Conforme ele mesmo contou a José Arcadio Buendía, enquanto o ajudava a montar o laboratório, a morte o seguia por todas as partes, farejando-lhe as calças, mas sem se decidir a dar o bote final. Era um fugitivo de quantas pragas e catástrofes já haviam flagelado o gênero humano. Sobreviveu ao escorbuto na Malásia, à lepra em Alexandria, ao beribéri no Japão, à peste bubônica em Madagáscar, ao terremoto na Sicília e a um naufrágio multitudinário no Estreito de Magalhães. Aquele ser prodigioso dizia possuir as chaves de Nostradamus era um homem lúgubre, envolto numa aura triste, com olhar asiático que parecia conhecer o outro lado das coisas. Usava um chapéu grande e negro, como as asas estendidas de um corvo, e um casaco de veludo patinado pelo limo dos séculos. Mas, apesar da sua imensa sabedoria e de sua aura misteriosa, tinha um peso humano, uma condição terrestre que o mantinha atrapalhado com os minúsculos problemas da vida cotidiana. Queixava-se de achaques de velho, sofria pelos mais insignificantes prejuízos econômicos e tinha deixado de rir a muito tempo, porque o escorbuto lhe arrancara os dentes."

Marques, Gabriel García; in: Cem Anos de Solidão

__Trecho em que é descrito o fantástico Melquíades, cigano que levou ao conhecimento dos habitantes improváveis de Macondo a bússola, a lente de aumento, o ímã e o gelo entre outros inventos inimagináveis.