sábado, outubro 29, 2005

Balada de uma noite suburbana...

Antônio tomou o último gole e saiu apressado, duas quadras abaixo virou à direita e à esquerda e à direita de novo e se imiscuiu à sombra eterna dos postes apagados. Ela tinha de estar em casa ainda. Cruzou a última rua desviando-se dos carros apressados e bateu forte na porta, como só um bêbado faria. Bam, bam, bam!
Nenhuma resposta, nenhum ruído. Ela devia estar em casa ainda, assustada talvez, escondida quem sabe!... Bam, bam, bam! Nenhum dos dois se atrevia a dizer alguma palavra. Os vizinhos nem se apercebiam do barulho, nem a tensão emocional de ambos. “Sua...! Sua...!”, engoliu o xingamento com um o choro que quase brotava. Bam! (...) bam. (...) (soluços lentos, baixos de não se ouvir.)
(... Agora soluços altos e choro desbragado pra todos ouvirem.) Toc, toc... abre amor, diz quase gritando. Por favor... tô arrependido! Não vivo sem v... v..ocê! Ela não significa nada pra mim. Eu juro! Eu j.. juro. Por favor...!
(..., instante de silêncio. Ele enxuga as lágrimas. Ela...)
...clict. Buuuummm! Bummm! Bum!
O som de um corpo caindo ao chão é ouvido a quilômetros de distância, os vizinhos finalmente acordam então, mas continuam a cometer adultério e o crime passional nosso-de-todo-dia.

terça-feira, outubro 25, 2005

Maldita Rotina!

Cinco horas. Triiiiiiiimm! o sol clareva prostitutamente pela cortina.
O chuveiro não esquenta, o leite acabou, onde está a chave? Maquinalmente, porta fechada, caminha rápido até o ponto. A fila dobra a esquina, no ônibus leva uma cotovelada de uma velhinha, mas consegue entrar. Desce, corre pelo terminal se desviando os camelôs da aurora, mas a porta do ligeirinho fecha em seu nariz... de volta pra fila, cabeça baixa, sente os olhares sobre si. Uma quarentona o paquera com o olho meio assim de esgueio. Não dá bola. O ligeirinho chega, prateado, lotado, apertado... Não consegue se sentar. Em pé, com o último dedo se segurando na haste metálica sente o suor aparecer e uma encoxada de um estranho. Um crente anuncia o apocalipse, alguém diz que é sábado e Deus não trabalha. Olha o relógio, todos os dias nessa hora ele olha o relógio. Só nessa hora, no restante nem se lembra de ter algo dependurado no braço, sempre no horário. Resolve confirmar no relógio de um cara vermelho muito gordo que falava alto como uma sirene de navio. Atrasado... filho-da-puta desse relógio, me enganou hoje! Na verdade estava parado há dias sem que se fosse percebido. Outra quarentona o paquera, não dá bola de novo, tem vontades de matá-la, pelo menos um sôco. Uma ruivinha de decote o olha com um charmezinho. Hmmmmm... Mas está cansado... como Sísifo ao ver a pedra rolar, os olhos se fecham involuntários e se abrem em seguida quando o ônibus pára. Hora de descer, a ruivinha lhe dá um tchau com o olhar. Ele retribui cavalheirescamente. Mais uma quadra até o serviço. Tropeça na calçada, dormiu pouco... essa insônia desgraçada. Minha cama, minha cama... Cadê minha cama...? Abre a porta, o patrão o aguarda.
__Hmmm... atrasado! De cara feia... dois segundos e uma gargalhada.
__...!, pensa estupefato.
__Seu pôrra hoje é dia de folga, não ficou dormindo porquê?
Sai, se esconde atrás de um poste e dá uma bofetada em si próprio.

domingo, outubro 23, 2005

Delenda est curitiba!


Há uma curitiba da saliva dos clientes gordos que desce pelo corpo das putinhas. “Ah bons tempos em que eu fazia ponto num puteiro decente...” __ pensava ela enquanto o cliente salivava mais. A mesma curitiba que anda vestida de bonitinha na rua XV dança na Lidô e se oferece nas boates, com olhos azuis; a mesmíssima e triste curitiba que nega bom-dias no Shopping Estação se renega a ver os mendigos. O inglês diz que é boa essa curitiba de parques e puteiros cubiculares e volta a morar na Inglaterra. Uma tal curitiba há que tem o oil-man por ícone, outra que é devota dos Faichecleres, outra de São Francisco, outra de idólatras e súditos carrancudos da neblina densa das manhãs de inverno... A curitiba das bebedeiras no Largo da DesOrdem não vê a curitiba da feirinha nos domigos de sol. A curitiba das BMW’s não repara numa outra que não come a dois dias. Aquela de freirinhas que se masturbam na escuridão do claustro, aquela que bate a carteira dos desatentos e aquela outra que fala sozinha como o Esquizofrênico da Biblioteca Pública, uma curitiba de bas-fonds e botecos, não aquela aristocrata e metida dos pubs. Não aquela que almoça no Madalosso e ouve jazz, essa traja suspensório e vai vender livros na Chain. Há uma curitiba que se deita com qualquer um, outra que se guarda para o noivo; uma que atira cuspes na cruz, outra que goza ao vê-la; uma que fica nua em Caiobá, outra que não vai à praia e repete o sinal da cruz ao ouvir palavrões, uma da Boca Maldita, outra de uma maldita boca de infâmias silenciosas sob sorrisos para os turistas.

A todas as curitibas deve-se devotar o ódio imparcial com que elas nos olham. Delenda est curitiba. A salivinha continua a escorrer dos clientes e o sol nasce sobre a neblina. Destruamo-nos a todos, curitibocas que fazem a curitiba que cada um quer. Destruamos já nossos altares e nossas bíblias e desçamos ao rés da realidade. Ó doce e amarga realidade em que nada pode ser melhor que Curitiba. Um brinde, numa taça de prata com a melhor cicuta, à todas as curitibas! Tim-tim!

terça-feira, outubro 18, 2005

bertil ataca: segunda parte!

...mas Bertile, a ninjutsa sanguinária, não contava com a astúcia e o esmero defensivo de Zancanarius. Em cada canto do Largo da DesOrdem, que é redondo, havia um capanga armado até os dentes e as miras a laser descobriram instantaneamente a cabeça de Justiceira contratada pelo vil Ilendidlavski. Bam! Pum! Tau! E Bertile sorrateira e gatunamente escapou de tiro por tiro sobre o telhado escuro da Igrejinha e entre as sombras e escuridões confusas do Centro Histórico desaparecendo entre a neblina e a garoa que principava a cair e embaçava a visão dos atiradores. “Hhhhhhhh...fhhhhhhh...”, a respiração era tudo o que podia ser ouvido de Bertile escondida em seu abrigo fétido cheio de limo e sordidezas escritas em letras orientais nas paredes sujas do antro subterrâneo sob a Praça do Homem Nu. Esse era só o esconderijo pr’as horas de perigo extremo. Hacker das mais astutas e pérfidas, vivia de grandes transferências bancárias para uma de suas 342 contas bancárias espalhadas por paraísos financeiros, como Taiwan, Virgin Islands, Burundi e Brunei. A pouco tempo havia sido aberta uma conta no Quênia. O porquê ainda não se sabe... Tais operações ilegais nunca puderam ser rastreadas nem pelos Federais, a Interpol, o FMI, a OMC; quiçá a CIA pôde ser perspicaz suficientemente para desbaratar o esquema bertiliano. Sua casa era uma humilde mansão de 32 quartos, 18 empregados e uma cachorrinha labradora.
Agora Stiepán expressava um sorriso sarcástico, Leonard, o Macabro, um sorriso irônico e Zancanarius um sorriso superior de dever cumprido, desconsideravam qual a sorte que lhes estava reservada pelo futuro, então Danyele voltou do banheiro sem saber o que havia acontecido. Enquanto isso, no Castelo do Jardim Social __construção cuja sombra se projetava sobre a cidade no nascer-do-sol e impedia que se soubesse as horas antes das nove da manhã__ era ouvido um sorriso surdo por entre as garrafas de Caninha do Vale. Era Ilenid, trêbado, confiante na vitória não acontecida. “Rsrsrsrsrs...”, uma das vadias contratadas por ele surrupiava agora o último maço de notas no cofre cuja senha fora dada por Ilenid no quase delirium tremens em que estava. E Bertile atingia o nirvana pela oitava vez naquela noite, ao som de uma versão japonesa de Smell like teen spirit, antes de preparar o próximo a ataque.

segunda-feira, outubro 10, 2005

"Ode Noturna", outro trecho apenas...

Um homem sentado à porta de um Banco.
Não come a dois dias. Não pede esmolas por orgulho próprio.
Mas deixam trocados aos seus pés.
Junta tudo rapidamente e imagina o alimento a ser comprado.
Mas o bar, mais próximo, vende álcool a preços baratos.
Fome ou vício? Vício. Confusão.
A fome o matará se não for saciada, o vício só o matará se ceder a ele.
Ele cede, fraco e humano, tenso e triste, angustiado e triste.

Noite sem estrelas.
O homem viciado deve dormir nalguma calçada,
Um sono leve e atento, com medo do mundo enquanto dorme,
Com medo de si enquanto acordado.
Na dissimulação infinita da luta entre si e o mundo, sem nunca vencer ou perder,
Apenas a luta infinita, dissimulada, e vazia.
Um embate moral, sem choque físico entre corpos,
Onde o mundo, muito maior e absoluto e assustador,
Vence constantemente sem jamais vencer por completo.

sábado, outubro 01, 2005

Morte e ressureição inevitável sob uma lua iluminada


nas ruas o silêncio cresce como uma metástase pelas sombras e postes fracos. em meu corpo as emoções devoram o tempo e o enfarte está mais próximo. duas síncopes ao dia, um aneurisma à noite. que bom ver a lua... essa deusa-godess-desèe de minhas angústias. essa amante confortável das noites claras sem estrela. São Jorge dorme e o dragão revoa sob as sonolências do Mar da Tranqülidade. tiros são ouvidos, duas balas perdidas encontram seu destino aleatório em meu coração e a humanidade queda imóvel sob os auspícios do imponderável. o salvador é morto agora. minhas fotos nos jornais. minhas frases na história. minhas mãos póstumas na calçada da fama. meu sexo e meu mel perdidos para sempre. mulheres vem de todas as nações render graças. meretrizes de todas as castas, jagunços de todas as raças, templários e anciãos, monjes e soldados americanos, centuriões e profetas louvam o mestre morto. Deus revira-se no caixão. Dante, Morrisson e Joyce entoam sonatas pós-punks. Lispector canta uma ária lasciva como réquiem. como uma ode post-mortem os cães uivam em meu louvor, então renasço das rosas murchas e dos lírios mortos. os espinhos me emprestam seu corpo e minha alma volta a ver o sol e a noite. dizem-me filho-da-puta e gênio incomparável, não sou mais que douto nas insurgências patéticas do coração. entrego-me numa blitzkrieg mental aos inimigos de prontidão. meu nome não me subscreve. meus gritos sim.