terça-feira, julho 19, 2005

Retrato de província

A Província estava como nunca, ou seja, como sempre. O tempo passando duas vezes mais lento que no restante do universo. Homens, mulheres, pseudo-conservadores, cães mal alimentados, carroças e carros velhos. Quando chegamos não chegamos, pois estávamos em outro lugar que não aquele que esperávamos encontrar. Paredões escuros, poeira amarela, nuvens no céu, calor, vento, frio, vento, chuva, barro, barro... pedras na estrada sem calçamento...
Não havia uma previsão sequer de futuro naquele presente. E o presente mesmo tinha um cheiro indiscutível de passado. As revoluções acontecem a dois mil quilômetros daquelas lugar. Furacões e angústias a cinco mil. O tempo cai devagar na brisa e resvala os cabelos da moça que a dois anos era menina. Os meninos crescem com indiscutível entrega ao destino. E o destino dorme por cima das montanhas e das nuvens. Não havia como discutir, o sol até se escondia envergonhado, a província estava como nunca. Um cheiro de inverno espocava no ar. As nuvens vinham e iam, tanto que numa dessas vezes ficaram. E chchchchchchuuuuva... por entre os telhados e olhares dispersos. Uma aranha pequena fez seu abrigo nas costas de uma folha laranjeira. As poncãs mais doces da minha vida e a montanha mais fantasticamente minha do planeta, como um presente aos olhos no amanhecer. E o dia escorreu hora por hora até eu fazer as malas. Adieu, arivederti! Sentimento estranho de dever de visita cumprido e saudade dos que ficam, de lembranças doídas de um passado próximo e o sorriso de amigos de agora.
Quando a deixei, ainda continuou ela a esperar e esperar. As cartas do correio, os telefonemas dos migrados filhos de outrora, as novidades, o asfalto, as águas do rio que chegava e passava célere, os milagres e as trombetas do juízo final, se este chegar por lá. Então a aranha, pequenina que era, desceu de seu esconderijo assustada com o dia e uma margarida floresceu a muitos quilômetros dali.