domingo, maio 08, 2005

Pam adentrando ao mundo com sapatinhos azuis

Pam saiu de casa com uma fita azul no cabelo, assim como sua mãe havia lhe dito, para combinar com seus sapatinhos também azuis, de um tom levemente mais claro. Dobrou a esquina e saiu pela rua movimentada naquele dia de sol. Ao passar pela catedral resolveu entrar para ver os quadros bonitos da igreja que sua mãe gostava de mostrar, e ao entrar, uma brisa correu pelos seus cabelos presos. Não era bom ficar exposta ao vento, isso lhe resfriaria, entrou rápida com agilidade nas pernas vestidas por uma meia da cor do sol nascente amarelo claro. A menina olhava as grandes pinturas com os olhos inocentes e admirados. Os desenhos todos muito coloridos e tristes, ela não entendia por que as pessoas eram tão tristes ao entrar na igreja, talvez fosse as pinturas que as entristece. Mas Deus não poderia ser triste, Deus era alegre como senhor vendedor de pipocas que passava pela rua cantando todas tardes em frente sua casa. Mas e se Ele fosse triste à imagem e semelhança das pessoas que rezavam na igreja? Não, não poderia. Deveria ser alegre como um menino que roubava goiabas no pomar do vizinho e saía rindo correndo pelo vento e depois, à tarde, espiava as mulheres no banho e brincava com outros meninos e tomava banho de riacho nos dias de calor. Deus era a imagem e semelhança do seu irmão pequeno que sorria quando lhe davam um doce ou um brinquedo novo sorria com o sorriso mais puro e simples que há no universo. A menina pensava absorta e contemplativa, todas as bonitas figuras, as cores vivas contrastando com o sombrio ar de seriedade do olhar de Jesus enquanto pregava aos cristãos na montanha.
Foi então que um senhor de vestes brancas e sóbrias e com um leve sorriso paternal veio ter com ela: "Oh que bonito! Uma menina tão jovem e já admirando a Deus!". Ela sempre comunicativa e esperta respondeu-lhe que estava apenas vendo a beleza dos afrescos do teto e dos quadros da parede, ainda que fossem tão sombrios e tristes. "É que Jesus sofreu muito na cruz para nos salvar. Ele se sacrificou em nome dos nossos pecados...você sabia", disse o senhor de vestes brancas com um ar condescendente e superior. A menina disse-lhe que Deus não poderia ser tão triste e que os anjos não podiam ter aquela expressão séria, pois estes não podem sentir a dor ou a angústia já que sentissem seriam tão humanos quanto os humanos. Deus só seria triste se estivesse arrependido de ter feito a humanidade, mas se é Ele perfeito e supremo não poderia errar. Então contou sobre o menino que roubava goiabas no pomar e brincava alegre e que aquela é que deveria ser a imagem Dele. O senhor de vestes brancas disse ainda mais condescendente e paternal que havia muitas coisas para ela aprender, e que Deus não gostava que meninas contrariassem o que os mais velhos diziam, era uma coisa muito feia.
Pam saiu da catedral sombria, confusa, muito confusa. Por que aquele senhor achava que Deus deveria ser triste? Por que achava que Deus não podia sentir-se alegre como um menino? E por que pensando que o mundo era tão triste, ele lhe sorria com aquela expressão que só havia visto no rosto do vendedor de pipocas quando este lhe vendia guloseimas? Pam caminhou pela rua, com seus sapatinhos azuis levemente mais claros que sua fita azul no cabelo, sentido o leve calor amaciado pela brisa até entrar na pequena mercearia. Comprou os pães com as moedas que sua mãe havia lhe dado e voltou para a casa cantarolando uma música qualquer que havia aprendido recentemente.