quinta-feira, maio 05, 2005

Olhos-verdes

Olhos-verdes tinha olhos verdes e unhas negras e caminhava despreocupada e confiante por uma avenida larga numa noite clara ainda que sem lua, já que os postes clareavam em torno e refletiam nos olhinhos verdes de Olhos-verdes. Algumas quadras a mais e Olhos-verdes já estava cansada nas suas pernas longas bem vestidas por uma meia-calça negra, mas a menina não desistia nem se abalava pela distância que ainda havia entre ela e a casa da Vovozinha num bairro próximo. Sua mãe preocupada e protetora pediu à menina que fosse de táxi, não a-pé, mas por último concordou que a menina fosse caminhando à casa da Vovozinha, mas que fosse pela avenida bem iluminada e nunca pegasse a rua paralela mais curta, porém escura e amedrontadora.
Olhos-verdes caminhava ainda, e já se preocupava com o cansaço nas suas pernas longas e agora cantarolava para si: "Ó que linda noite em que eu caminho sozinha, levando entorpecentes para a Vovozinha". Olhos-verdes levava uma cesta de vime branco alvo como a neve em que levava pequenas trouxinhas com os mais variados entorpecentes para a sua querida Vovó que vivia sozinha e só num bairro próximo e precisava de psicotrópicos para acalmar sua depressão em seus últimos anos de vida. Mas Olhos-verdes levando em conta o cansaço das pernas longas vestidos pela meia-calça negra dobrou uma esquina e outra e caiu na rua paralela mais curta, porém sombria. Sua sombra se confundia com as outras sombras eternas daquela rua que se moviam rastejantes entre as latas de lixo acompanhando a batida das sapatilhas da menina no asfalto negro. Olhos-verdes ingenuamente agora cantarolava:"Eu vou...eu vou...drogar a Vovó, eu vou!" Então um grande, assombroso e assustador homem mau de roupas negras e uma tatuagem de lobo no braço apareceu na frente da menina dizendo, "Eu sou o Homem-mau e quero a sua cesta de vime cheia de psicotrópicos", com uma voz cavernosa e uivante. Olhos-verdes levantou seus olhos verdes assustados e deixando a cesta no chão acertou-lhe um golpe, recém aprendido num curso de defesa pessoal israelense, entre as pernas do Homem-mau deitando-o no chão entre uivos lupinos de dor. E seguiu na direção da casa da Vovozinha colhendo as florezinhas amarelas que restavam murchas no chão e comendo um chocolate de avelã comprado numa "Bombonière 24 horas" próxima.
Ao chegar à casa da Vovó esta disse-lhe:" Ó minha netinha! Trouxe o que a Vovó havia pedido?" "Ora Vovó não vai me perguntar se vim pela avenida clara ou pela rua paralela escura? Se eu não vi o Homem-mau?" Não! não! minha netinha, vejo que está bem, então vamos às minhas encomendas", tendo dito isso a frágil Vovozinha cheirou cinco carreiras de cocaína sobre o retrato de seu esposo falecido e sentou-se na beira da cama com os olhos vermelhos e pediu a Olhos-verdes que colocasse um disco de blues na vitrola, e logo após seu pedido ser atendido ela começou a contorcer-se sobre os lençóis. Então a menina voltou-se à Vovó e perguntou ingênua: "Ó Vovozinha, porque mãos tão trêmulas?" "É pelo vício minha netinha". "E porque tanto medo nesses olhos tão fundos". Mas a Vovó já não conseguia dizer palavra alguma apenas encolhia-se a um canto da cama sentindo já os efeitos da overdose.
"E fim", exclamou o autor.