quarta-feira, setembro 21, 2005

Narrativa tola sobre dois vadios em fuga

Como eles estavam presos perpetuamente – de uma perpetuidade de não se acabar mais -- numa cela muito escura de nenhuma luz, não lhes restavam mais que papear naqueles assuntos de perder-se de vista sobre as coisas da vida e a vida das coisas. Mas havia um plano de fuga para hoje e a conversa trazia um tom de preocupação por debaixo das falas. A fortaleza era alta e de pedras e tinha guardas e tinha o fosso e uma floresta de demônios e assombrações no arredor. Enquanto os guardas trocavam-se nas posições-de-guarda o Amigo Imaginário de Tristão abriu com a chave da sobrenaturalidade os cadeados das mãos, dos pés e da porta e com uma sonora trambolhada com um penico de aço fundido na cabeça elmada do guarda cagão e sonolento desabriram a correr e meia hora depois, após fugirem de guardas com lanças espetudas, por labirintos de calabouços, escadas tortuosas e tortas, a sala de jantar do castelo __ durante o jantar, onde curvaram-se respeitosamente ao Rei e uma leve mesura à Princesa tímida __ e de flechas pela ponte levadiça, atingiram a Floresta dos Perigos Incontáveis. Dormiram dois dias numa caverninha para recuperarem-se do cansaço. Seguiram até a taverna de Rosamunde e beberam ao anoitecer três garrafões ao Rei e outro à Princesa com um brinde aos seus olhos de um azul-incomensurável. Da entorpecência do vinho brotou-lhes a inconsciência de estarem sendo roubados. Umas moedas de prata suadamente furtadas passavam novamente de mãos. Surrupiados até às roupas, no frio nevoado e cinzento daquela noite foram expulsos, Tristão e seu Amigo Imaginário, destinados a vagar até o fim da Floresta a maldizer e a tremer. Ao amanhecer daquela noite insone e friorenta deram com a ossada de um homem, que provavelmente havia morrido chorando __ pela expressão do rosto __ , entre um trambolho de metal onde estava escrito em uma língua estranha: “Timevoyager Machine – M.I.T. – U.S.A.”. Nada entenderam daquilo, mas após retirarem os cipós usaram os macacões brancos meio empoeirados e com uma bandeirinha colorida no peito que encontraram numa mochila nas costas do pobre morto. Sacudiram o pó e foram dormir numa espelunca abandonada ao sopé de uma árvore escura. O desespero de ambos os fugitivos, o real e o imaginário, era tanto que dormiram o sono dos ladrões sob pesadelos atordoantes até serem acordados por flechas Reais na janela e recomeçarem o périplo da fuga aos confins sem fim.

Tendo gasta toda sua verborragia, o autor declara, aqui, acabada a descrição dessa aventura absurda, e pede que conste nas atas da História das narrativas tolas e fabulosas.