domingo, março 05, 2006

ontologia descritiva de si

sou o som das buzinas, a negação das buzinas no silêncio por trás do tumulto
a metropóle que nasce tão morta na marquise
a complacência dos psicopatas
a psicopatia delicada de analisar a alma humana
a demência bem velada de qualificar e quantificar em classes as personalidades
sou o que não pude ser, sou um além de si muito aquém de si mesmo
um copo que transborda ondas e mar tempestuoso
um cálice de vinho fino despejado ao ralo da pia
o despejo do vinho fino ao ralo da pia
o ralo da pia em que despejam o vinho fino

mas não o vinho fino despejado ao ralo da pia
o que não sou, mas me pretendo a ser
o que devo ser sem que eu seja
o vir-a-ser condenado a não-ser
o não-ser que é ilógico na sua única lógica
a recusa da lógica na pretensão de raciocinar
o raciocínio que sente antes de pensar
o grito num túnel soterrado
a melodia além da orquestra que ressoa
nos ouvidos do mendigo em frente ao teatro


sou o que fui enquanto queria ser e passei a vida querendo...