quinta-feira, julho 17, 2008


Um grão de poeira é um ser pérfido e jamais cairá onde supomos que caia. Sobre folhas verdes restantes do outono, raízes semi-abertas sobre o solo, pequenas rochas ou a escuridão negra de qualquer outro lugar onde não supomos que caia. O vento ajuda, desvia-o de um lado a outro e a lugar nenhum, percorre os mapas inexplicáveis do ar e o atira sobre a vigésima terceira folha que brotou na primavera passada e foi a primeira a cair no outono, por ter nascido fraca como um temporão.


Se chove não há poeira, mas há barro e enchurradas. Ouviram dizer da morte do velho que construiu sua casa de barro e foi soterrado pela parede diluída pela chuva antes que o sol a secasse. Sepultado pela terra lá esteve até o novo verão em que a enchurrada descobriu seus ossos brancos de sob o barro. Os homens acreditavam que cansado da pobreza havia destruído a casa e saído pelas infinitudes do mato. Diga-se que um grão de pó é traiçoeiro, mesmo quando hiberna em seu estado de terra molhada.


No pequeno morro onde puseram parte de uma cidade a poeira celebra seus atos. Homens e mulheres polvilhados de pó divergem nos seus rituais de um canto a outro e benzem-se na água de seus chuveiros. Suportarão o aço reluzente em suas almas assim como percorrem o asfalto? Deterão a podridão que avança sob os bueiros e cresce pelos ralos e suspira em seus pés? Enquanto os homens permanecem indecisos quanto às micro-partículas e o ser, após tantos dias sem chuva, lá vem outro grão de poeira.

domingo, maio 11, 2008

...

__Já acabou?
__Acabou o quê?
__Eu perguntei primeiro!
__Mas eu não entendi, ué...
__Pouco me importa.
__Se não te importa então não pergunte!
__Já acabou?
__Mas de novo?
__De novo o quê?
__Essa pergunta idiota!
__Não é uma pergunta idiota.
__Não é uma pergunta idiota?
__Não. Não é, não.
__Claro, o perguntador é que é idiota!
__Não importa, isso não vem ao caso.
__Pra um idiota essa sua frase deve fazer sentido.
__Ah, pra mim também faz.
__Óbvio, você é idiota.
__Cara, você tá irritado só porque eu perguntei se você já tinha acabado?
__Pôrra... acabei o quê? Merda...
__...
__Não faz essa cara de tonto e me diz, pô! Acabei o quê?
__Você sabe.
__Sei é o caralho! Vá tomar no cu!
__Olha eu não tô pra onfensas hoje, tá...
__Mas eu tô!
__Pouco me importa.
__Te importa sim, senão não ficaria me perguntando essas coisas.
__Que coisas?
__Isso, já acabou?já acabou?
__Acabou o quê?
__Pôrra foi isso que eu te perguntei!
__Olha você só quer me confundir pra me fazer de tonto. Não vou cair nessa.
__O quê seu filho-da-puta!

domingo, abril 13, 2008

trecho... Ilenidlavski, Martin; Obras Completas; Vol XIII

Não sabia porque o espancava, mas espancá-lo fez sentir-se bem. Nunca havia se sentido assim e sua fúria não era uma raiva, só um impulso sem controle. O gemido do homem era arrastado e contido, certamente não gemia assim para fazer menos barulho, mas porque seu pulmão não tinha o vigor para o grito de fúria assim como para o gemido de desespero ou dor. Era um ruído bom para Flávio Falho em pé em frente a sua vítima, como um mau ator que também é espectador enquanto atua, limpando o sangue das articulações de seus dedos num dos cantos do lençol branco-amarelado. Não havia mais sol, ainda assim retirou do bolso mais externo de sua mochila uns óculos escuros blindados por um espelho esverdeado parecidos com aqueles que os policiais de filmes americanos dos anos 70 usavam. Como o velho esquizofrênico estava caído mais ao lado da porta pôde abri-la sem grande dificuldade e no corredor estreito e curto um cheiro mofado se espalhava pelo ar mal iluminado.

O velho ficou caído mais alguns minutos na mesma posição. Algum tempo depois conseguiu levar a mão à boca para limpar-lhe o sangue. A janela estava ainda aberta e entrava um pouco de brisa quente. Ainda com bastante tontura endireitou-se sentado no chão ao lado da porta. Ignorando o que havia lhe acontecido voltou a falar que... que... enquanto não vê-la, ainda posso... enquanto... quando... __soluçando um pouco quis gritar, mas não conseguiu só resmungou mais alto__ quando a dor libertará... quando a dor... __e novamente voltando a um tom mais calmo e cansado__ o mundo? Quando... A dor, ela pode... a dor... enquanto não vê-la, entende...

sábado, março 29, 2008

Poema sem título

Já tive mais sorte
hoje sou egocêntrico, sou meio-a-meio:
duas partes homem feio
e todas as outras inconstante e pouco.

Me deram talento para me calar:
exerci minha lucidez quieto.
Hoje sou um inseto
murcho e transpassado
por um alfinete de poeta.

Ilenidlavski, M.; Obras Completas; Vol IX

domingo, março 09, 2008

a mansão dos mortos: oração católica

Creio em Deus Pai Todo Poderoso, criador do céu e da terra. Creio em Jesus Cristo seu único filho que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai Todo Poderoso de onde há de vir julgar os vivos e os mortos. Creio na santa igreja católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressureição da carne, na vida eterna, amém.
Sacratíssimo coração de Jesus... tende piedade de nós!
Sacratíssimo coração de Jesus... tende piedade de nós!
Sacratíssimo coração de Jesus... tende piedade de nós!
Nossa Senhora da Boa Morte... rogai por nós!

O dia pálido disse o que não queria ser ouvido: Edson Martins está morto. Foi assassinado pela dor brutal e pela asfixia de um câncer e os homens tristes choraram seu fim. Tudo o que se pôde fazer foi dar um túmulo digno ao meu irmão. Foi em Tomazina num 29 de fevereiro.

Está morto, está morto, está morto. Dói saber que estou vivo e respiro sem dificuldade. Dói imensamente saber que estou vivo.
dor.
dor.
dor.

sábado, janeiro 26, 2008

Jogo de truco no caixa forte do Banco Central!...

Ilenidlavski diz: __Truco!
Naka responde: __Seis!
I: Zape!
N: Puts....Sete copas!
I: Aprenda comigo... guarde a melhor carta na manga!
N: Aprenda comigo, panaca!

Stiepánovitch sai debaixo da mesa armado até os dentes e descarrega seu AK 47 em cima de Ilenid que desvia de todos os tiros e diz:
__Haha... você é lento como uma porca gorda!
Zancanarius subindo do andar inferior:
__Estamos cercados!
__Ilenid você me paga!
O helicóptero já agita a hélice psicopaticamente, enquanto a operação conjunta de SWAT, Interpol, Polícia Federal e Polícia Casaquistanesa adentram o recinto em meio ao som de dinamites implodindo o prédio.
Alguns minutos depois, no subsolo soterrado, Ilenidlavski contava os víveres racionados e se perguntava:
__Segunda vez na semana que sou soterrado por um edifício. Será que tenho pasta de atum suficiente para uma semana até que o resgate me tire daqui?
No helicóptero:
__Macacos me mordam! Como foi que conseguiu esconder aquela carta na manga...
__Só uma questão de movimentar as mãos mais rápido que seus olhos.
__Cale-se Stiepán!

terça-feira, dezembro 25, 2007

Diálogos amorosos - Parte 1

No apartamento classe média o tapete e o abajur combinam com o lustre e a moldura dos quadros de gosto duvidoso na sala. A mulher interrompe a leitura da revista de moda feminina e olha para o marido. Saindo do quarto com duas malas com uma expressão corriqueira.

__Ué... pra onde você vai?
__Ah, vou morar com a Selminha.
__O quê!?
__Com a Selminha...
__Você tem uma amante?
__Amor... você é minha amante.
__Como é que é?
__Você amor!... Sou casado com a Selminha...
__Seu filho-da-puta!
__Eu!? Mas porquê?
__Você me conta assim... que tem uma amante?!
__Já disse! Ela é minha esposa, você é minha amante.
__Seu desgraçado!
__Não diga isso, paixão! Em nossa relação não pode haver segredos!...
__E eu? E nossos filhos?
__Ué... o que tem nossa relação... nossos filhos?
__Como o que tem seu desgraçado?! Você abandona eles assim? E quanto a mim...
__Bem... Eu te amo! Mas nós não temos filhos.
__Como não?!!!
__Amor eu sei que você teve um caso com o Adalto.
__O quê!
__Nem esquente. Eu gosto das crianças mesmo assim. Olhá você tá exagerando. Eu só vou ficar uma semana lá e...
__E o quê?
__E a Selminha é tão chata às vezes...
__Chata mas você vai passar uma semana lá...
__Pois é.
__Pois é o quê?!
__Pois é...
__Desgraçado! Filho da puta!!!!!!!

Os carros que ouviam o diálogo quietos obedeceram ao sinal do semáforo e novamente saíram em uma procissão monótona pelo asfalto.

sábado, maio 12, 2007

quadrinhos a espera de um desenhista


Os ensinamentos do mestre:
__Quando souberes a verdade, minta sobre ela a alguém.
__Oh...__diz a multidão atônita.
Um discípulo incauto:
__Mas por quê Mestre?
__Porque assim também se tornarão mestres como eu.
__Então o Mestre está mentindo pra nós agora?
__Mentindo pra vocês?! ah... Eu jamais faria isso...

domingo, abril 29, 2007

quadrinhos a espera de um desenhista


Num consultório a inversão de valores:
__Antes de começar eu gostaria de saber se você já se perguntou por que estudou psicanálise? Não seria algum complexo de édipo recalcado?
__O quê?...
__Também seria interessante saber qual sua visão das teorias de Lacan e da neuropsicologia atual.
__Quem faz as perguntas aqui sou eu!
__Hmmmm....__anota com uma expressão séria num caderninho: “Analista n.º 15: irritabilidade em face do desconhecido”

quinta-feira, março 29, 2007


Marido chega bêbado:
__Seu desgraçado! Os homens são todos iguais mesmo!
__Eu sou diferente, meu amor. Mas eu estou sofrendo por causa da sua greve de sexo?__pensando __Mulheres... Todas iguais, sempre querendo que os homens sejam diferentes entre si.